segunda-feira, 28 de maio de 2012



O brilho do cérebro escondido
Neurocientistas encaram uma revelação em relação aos neurônios: as células gliais respondem pela maior parte do trabalho realizado pelo cérebro e também pelas doenças
 
© ALAN HOOFRING/SHUTTERSTOCK
por F. R. Douglas Fields

Há alguns anos, sentados na semiescuridão do laboratório do Instituto Nacional da Saúde (NIH, na sigla em inglês), minha colega Beth Stevens e eu nos preparávamos para fazer uma corrente elétrica moderada passar por células neurais de feto de camundongo mantidas em cultura. Usávamos uma nova técnica microscópica que permitiria observar a atividade elétrica como um brilho fluorescente emitido pelo corante misturado à cultura e esperávamos descobrir se as células de Schwann – comuns no sistema nervoso − poderiam apresentar algum tipo de reação. Essas estruturas de aparência estranha produzem um tipo de isolamento em torno dos neurônios. Na verdade, não pretendíamos vê-las, pois elas não se comunicam eletricamente. Liguei o interruptor e os neurônios brilharam imediatamente. Em seguida também as células de Schwann começaram a brilhar como se insistissem em dar uma resposta.

O corpo mais misterioso que conhecemos é essa “coisa” que carregamos entre as orelhas, e boa parte das discussões sobre o funcionamento do cérebro que ainda permanecem mostra que muitas ideias estão equivocadas. Da mesma forma que os astrônomos medievais se surpreenderam ao saber que a Terra não era o centro do Universo, os neurocientistas atualmente encaram uma revelação semelhante em relação aos neurônios.

Até recentemente, nossa compreensão do cérebro se baseou em ideias de mais de um século, conhecidas como doutrina neural. Essa teoria estabelece que toda informação do sistema nervoso é transmitida por impulsos elétricos através de redes de neurônios que se interligam por conexões sinápticas. Mas esse teorema básico está completamente equivocado. Novas pesquisas mostram que há informações que passam ao largo dos neurônios, fluindo, sem eletricidade, por redes de células chamadas glias (ou gliais). Esses estudos estão revolucionando nossa compreensão de vários aspectos da funcionalidade de cérebros saudáveis e doentes, esclarecendo várias dúvidas antigas sobre os processos de memorização e aprendizagem.

Novas pesquisas destacam o papel central da glia no processamento da informação, em doenças neurológicas e transtornos psiquiátricos, e têm despertado grande interesse da comunidade científica. Algumas células gliais aceleram a transmissão da informação entre regiões distantes do cérebro, ajudando-nos a comandar processos cognitivos complexos. Outras se deterioram à medida que envelhecem, provocando demência. As descobertas têm grandes implicações não só na compreensão do funcionamento do cérebro, mas também no desenvolvimento de novos tratamentos de doenças neurológicas e psicológicas.

Mais ativos e inteligentes
Exercícios físicos aumentam o volume do cérebro, estimulam a sensação de bem-estar e alteram, para melhor, o modo como pensamos e sentimos
 
© ELANUR US/SHUTTERSTOCK
por John Ratey e Eric Hagerman

A maioria das pessoas se sente bem depois de correr ou mesmo fazer uma caminhada leve. Há várias hipóteses, levantadas pela ciência e pelo senso comum, que explicam esse fato: o exercício físico ajuda a esquecer pequenas frustrações diárias, reduz a tensão muscular e estimula a produção de endorfinas. Mas talvez a maior razão de nos sentirmos tão bem quando o coração bate mais rapidamente e bombeia sangue por todo o corpo é que isso ativa o cérebro e seus intrincados circuitos – o que, segundo estudos recentes, é o maior benefício do exercício físico. O desenvolvimento de músculos e o condicionamento do coração e dos pulmões podem ser considerados apenas efeitos colaterais diante do potencial que a atividade física tem de nos tornar mais bem humorados e inteligentes.

 Alguns benefícios da atividade física para o cérebro

1. Previne acidente vascular cerebral: o aumento da capacidade cardiorrespiratória reduz a pressão sanguínea do corpo em repouso, o que diminui o risco de acidentes vasculares cerebrais (AVC). A movimentação sintetiza proteínas, como o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF, na sigla em inglês), que estimula a produção de células endoteliais, que compõem o revestimento interno de vasos sanguíneos, tornando-os mais resistentes. O exercício desencadeia também a liberação do gás óxido nítrico, que dilata os vasos para permitir a passagem de um maior volume de sangue.

2. Reduz risco de demência: pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, acompanharam 1.173 pessoas com mais de 75 anos por quase uma década. Nenhuma delas tinha diabetes, mas as que possuíam altos níveis de glicose apresentaram uma probabilidade 77% maior de desenvolver Alzheimer. Conforme envelhecemos, os níveis de insulina caem e a glicose tem mais dificuldade para chegar às células e abastecê-las. O excesso de glicose não absorvida cria resíduos nas células, como os radicais livres, que danificam os vasos sanguíneos, colocando-nos em risco de desenvolver Alzheimer. No organismo em equilíbrio, a insulina age contra o acúmulo de placas amiloides, mas seu excesso contribui para o aumento das placas e a inflamação, danificando os neurônios ao  redor.

3. Melhora o humor: a maior produção de neurotransmissores, como a serotonina, e o aumento do número de sinapses previnem a atrofia do hipocampo, associada à depressão e ansiedade. Vários estudos relacionam a prática de atividade física regular à melhora do humor. Além disso, exercícios ao ar livre ou mesmo na academia de ginástica são boa oportunidade para interagir socialmente e fazer novos amigos; as relações sociais são importantes para a manutenção do humor e da autoestima, principalmente depois dos 60 anos.

4. Aumenta a motivação: a atividade física ativa a produção de dopamina, neurotransmissor responsável pelas sensações de prazer e motivação. Iniciar um programa de exercícios, aliás, é um desafio que demanda planejamento e autocontrole.

5. Promove a neuroplasticidade: atividades aeróbicas fortalecem as conexões neuronais e estimulam as células-tronco recém-nascidas a se dividir e se transformar em neurônios funcionais no hipocampo, o que previne o atrofiamento dessa área do cérebro relacionada à memória. Um cérebro ativado pelos exercícios favorece a neuroplascidade e a neurogênese, que é a formação de novos neurônios.

Armadura para o feto
Estudos revelam que a placenta faz mais que alimentar o bebê dentro do útero, é fundamental para moldar o desenvolvimento cerebral
 
©ZF/SHUTTERSTOCK
por Claudia Kalb

Ainda que seja um órgão transitório, a placenta tem grande importância para a vida, já que em sua curta existência funciona como proteção para o feto. Seus vasos sanguíneos – semelhantes a raízes de árvores (veja imagem ao fundo da pág.), obtida por Norman Barker, professor-associado de patologia da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins) – também transportam oxigênio e nutrientes essenciais da mãe para o bebê em desenvolvimento. Ainda assim, a placenta tem sido desvalorizada. Uma análise científica cuidadosa mostrou que o órgão representa muito mais que um simples invólucro: ele molda o desenvolvimento neurológico do feto.

Em um estudo publicado em agosto de 2011, pesquisadores britânicos mostraram que, quando uma fêmea de camundongo que está esperando filhote é privada de alimento, a placenta assume o comando, destruindo seu próprio tecido para “alimentar” o cérebro do feto. Um grupo de cientistas do Instituto Neurogenético Zilkha da Universidade de Southern (ZNI, na sigla em inglês), na Califórnia, derrubou décadas de dogma biológico ao relatar que é a placenta – e não exatamente a mãe – que fornece o hormônio serotonina ao prosencéfalo do feto no início do desenvolvimento. Como hormônios desempenham papel essencial nas conexões cerebrais, anormalidades placentárias podem significar risco de o feto desenvolver depressão, ansiedade e até autismo antes mesmo de os neurotransmissores começarem a funcionar. “Por isso, é preciso estar muito atento à saúde e aos cuidados da placenta”, ressalta Pat Levitt, diretor do ZNI e coautor do estudo.

Investigações sobre a influência desse órgão no desenvolvimento cerebral são tão recentes que ainda não foram batizadas. A neonatóloga e neurobióloga do desenvolvimento Anna Penn, pesquisadora da Universidade Stanford, denominou esses estudos de “neuroplacentologia”. A própria Anna está estudando o impacto dos hormônios placentários no desenvolvimento do cérebro depois da 20a semana de gestação. Seu objetivo é identificar com que idade os bebês prematuros são afetados pela perda desses hormônios e, ainda, descobrir uma forma de compensar esse déficit.